Randa Achmawi
Cairo – O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, voltou nesta segunda-feira (10) do Cairo, capital do Egito, com a definição de uma série de atividades preparatórias à Cúpula América do Sul-Países Árabes. O encontro de chefes de estado deve ocorrer em dezembro no Brasil. Amorim participou como convidado especial da reunião da Liga Árabe na cidade.
Ficou acertada a realização de uma próxima reunião ministerial paralelamente à Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, duas mesas redondas sobre comércio e investimentos, uma delas com o setor privado, além de seminários a respeito de cultura e tecnologia das duas regiões. O objetivo é que estas atividades, ainda sem data marcada, sirvam de subsídio para a formulação da Declaração de Cúpula, documento base para a reunião de dezembro.
De acordo com Amorim, na Cúpula serão discutidos temas como cooperação, finanças e ciência e tecnologia. Em entrevista exclusiva à ANBA, na residência do embaixador brasileiro no Cairo, Celso Marcos de Souza, Amorim falou dos resultados da sua visita à região, e do convite que levou ao presidente do Egito, Hosni Mubarak, para que participe da Cúpula do Mercosul, que também ocorre em dezembro no Brasil.
Os países do Mercosul estão formulando um acordo de livre comércio com o Egito. "Quem sabe teremos um acordo pronto ou algo muito bem estruturado em dezembro", disse. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
ANBA – Esta é a terceira vez que o senhor vem ao Egito em cerca de um ano. Qual é a razão da nova visita?
Celso Amorim – Vim ao Egito, antes de qualquer coisa, para transmitir o convite do presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), ao presidente (do Egito), Hosni Mubarak, para que seja o convidado especial da Cúpula do Mercosul, que deve acontecer em dezembro. Nós também estamos trabalhando com muito interesse no projeto da Cúpula dos países Árabes e a América do Sul. E como esta reunião do Cairo está estruturada com a presença de todos os ministros de relações exteriores árabes, nos pareceu uma boa oportunidade para encontrá-los. Eu participei de uma sessão de trabalho sobre a Cúpula América do Sul/Mundo Árabe. A reunião permitiu um melhor diálogo entre nós. Enfim, todos já haviam reagido de maneira positiva sobre a idéia da Cúpula, mas agora começamos a tratar de coisas mais específicas, como as datas, a agenda da reunião, o processo preparatório. E eu saio daqui ainda mais otimista, achando que conseguiremos realizá-la em dezembro, como previsto.
Quais foram os detalhes acertados?
Discutimos sobre as datas ideais para a Cúpula e nos pareceu que a melhor opção seria 15 e 16 de dezembro. Ou talvez 7 e 8 de dezembro. Certamente em dezembro. A Liga Árabe deverá me comunicar brevemente a decisão final. Nesta época seria possível acoplar a Cúpula da América do Sul e Países Árabes com a reunião de Cúpula do Mercosul.
Sua presença no Cairo durante uma reunião dos ministros de relações exteriores da Liga Árabe, sobretudo num momento tão crítico, pode ser traduzida como uma maior aproximação entre os dois mundos?
Existe, sem dúvida, uma aproximação. E, na minha opinião, o presidente Lula teve o mérito de ter tomado a iniciativa. Na América do Sul, quando o presidente tocou no assunto, seus homólogos todos concordaram que seria uma ótima idéia. Isso encontrou, sem dúvida, um eco semelhante nos paises árabes. O que não quer dizer que as relações com a América do Sul sejam uma alternativa aos países do norte. Esta é somente uma maneira de ampliar os horizontes, de efetuar maior intercâmbio. É o que também acontece conosco no Brasil. Esta semana por exemplo, nós estivemos em Bruxelas negociando com a União Européia. E no fim de semana ado estive com um grupo de cinco ministros discutindo questões ligadas à OMC (Organização Mundial de Comércio). Continuamos ao mesmo tempo com nossas discussões sobre a ALCA. As possibilidades de cooperação internacional são muito amplas. Tanto na América do Sul quanto nos países árabes existe uma grande variedade de situações.
Para muitos, a América do Sul pode representar uma oportunidade nova para investimentos. Para outros, ao contrário, será para buscar investimentos ou para cooperação técnica. Nós temos problemas semelhantes, como o da agricultura em regiões áridas. Por esta razão podemos manter uma cooperação técnico-científica importante. Existe também uma maior descoberta cultural recíproca.
A cultura árabe está, de certa maneira, impregnada em nossa cultura, primeiro através da Península Ibérica, depois novamente pela imigração. Mas muitas vezes não há nem consciência disso. O campo é muito vasto. Nós também podemos aumentar nossa coordenação em fóruns multilaterais e fazê-lo de maneira mais organizada. Ha muito a ser feito, mas para isso é necessário que os chefes de estado se encontrem.
O aconteceu concretamente desde a última visita do presidente Lula aos países árabes? Quais foram os progressos constatados nas diversas pastas das relações bilaterais, sobretudo do ponto de vista econômico?
Nós começamos a discutir, por exemplo, um acordo de livre comércio entre o Egito e o Mercosul. O ministro do Comércio Exterior do Egito, Youssef Boutrus Ghali, deve ir a Buenos Aires no início do mês de julho. Isso permitirá avançar no acordo. E quem sabe teremos um acordo pronto ou algo muito bem estruturado em dezembro, o que seria um marco. É importante notar que as ações dos estados e dos governos são também muito inspiradoras para os agentes privados.
Enquanto conversava com o ministro de Negócios Estrangeiros do Egito, Ahmed Maher, e com a ministra de Estado para as Relações Exteriores, Faysa Abou El Naga, falamos da importância de uma visita de empresários. Por exemplo, o comércio entre o Brasil e o Egito tem crescido muito, mas de maneira desequilibrada, com a balança pesando fortemente do lado brasileiro. O Brasil tem exportado muito e importado relativamente pouco.
Tenho certeza de que o acordo de livre comércio vai ajudar a melhorar esta situação. Isso vai fazer com que os empresários que olham unicamente em direção à Europa, aos Estados Unidos ou mesmo a outros países, possam também olhar e ir para ao Brasil.
A visita do presidente Lula afetou diretamente o volume de negócios efetuados entre o Brasil e o Egito, ou o Oriente Médio de maneira geral?
Creio que ainda é cedo para fazermos uma avaliação. O presidente Lula esteve aqui há três ou quatro meses. Isso não é muito tempo. Mas olhando os dados fornecidos pela embaixada do Brasil no Cairo se pode constatar que desde a visita do presidente, em dezembro (2003), o número de vistos fornecidos a homens de negócios brasileiros aumentou em um terço. E nós temos também discussões avançadas na área da aviação civil, de venda de aviões da Embraer para o Egito. A Petrobras também veio ao Egito.
Tudo isso leva tempo até se traduzir em cifras, embora penso que, se projetarmos o comércio destes primeiros meses entre o Brasil e o Egito para um ano, poderemos chegar a quase US$ 700 milhões em exportações, o que já é um numero bastante significativo. Na Síria, por exemplo, as empresas privadas brasileiras estão construindo uma usina de açúcar. E isso é algo que foi tratado durante a visita do presidente Lula num desses seminários empresariais.
Certamente devem existir muitas outras coisas acontecendo, sobre as quais talvez eu não tenha conhecimento. Houve também, por exemplo, uma missão da Líbia que se dirigiu ao Brasil, buscando projetos para investimento. Um outro país que não pôde ser incluído na última visita do presidente Lula, mas com o qual temos conversações em curso, é a Arábia Saudita. Existem possibilidades concretas de pesquisas na área de minerais.
Mas para uma avaliação maior temos que aguardar um pouco. Isto porque em países como o nosso, ou em qualquer país em desenvolvimento, o movimento do Estado ou do governo tem um impacto muito grande. Este tem um poder de arrasto muito grande. Eu não tenho todos os dados, mas existem discussões, por exemplo, de um acordo aéreo com o Líbano. Enfim, existem muitas coisas que estão se desenvolvendo em paralelo.
O senhor podia nos dar detalhes sobre a atuação do Brasil nas negociações
da OMC?
As posições do Brasil são muito conhecidas. Nós coordenamos um pouco esse grupo de paises do G-20, do qual o Egito faz parte. Este é um grupo que está mais voltado para a questão agrícola. Isto porque a agricultura é a chave para a rodada.
Quais são as dificuldades vocês encontraram?
Nós estamos entrando num momento delicado das negociações, mas eu prefiro não falar muito das dificuldades. Eu prefiro falar dos esforços que estão sendo feitos para superarmos as dificuldades. Nós tivemos uma reunião de apenas cinco países em Londres, mas teremos outra em Paris, na qual o ministro Youssef Boutrus Ghali participará. E nós estamos tentando identificar as nossas divergências e procurar soluções efetivas para elas. Portanto, nosso objetivo principal é eliminar os subsídios de exportação, reduzir os subsídios internos e conseguir melhores condições de o a mercado para os nossos produtos.
Os europeus reagiram de maneira positiva às pressões exercidas por este grupo?
É verdade que eles (os europeus) estão mudando. Eles, no entanto, ainda não completaram o processo de mudança. E isso dependerá, penso eu também, das negociações. Eles estão fazendo o que chamam de desacoplamento dos subsídios, não só da exportação, mas também das quantidades de produção. Isso é positivo e vai na direção certa.